Por: Sonia Mattos
Embora pareçam diferentes, estes três conceitos podem apresentar leituras muito semelhantes, que convergem, de fato, para a sua origem etimológica.
Quando falamos em Patrimônio, entendemos tanto os bens acumulados por pessoas ou instituições, cuja preservação merece cuidado e respeito, quanto aos legados materiais ou imateriais de uma sociedade ou cultura.
Já o Patrimonialismo enseja a interpretação em que o Estado ou a autoridade política fundamenta-se num poder pessoal que se exerce sobre a propriedade, seja de um governante, seja de uma entidade. Mais predominante nas sociedades monárquicas e pré-republicanas, o Patrimonialismo representa atualmente uma concepção inteiramente deslocada dos valores contemporâneos de uma sociedade plural, igualitária e diversa.
O Patriarcado, conceito cujas práticas ainda alicerçam as mais detestáveis formas de dominação social, embora ultrapassado pelas leis do Estado Ocidental, vive e floresce em nosso meio ideológico, midiático e social sem pejo ou impedimento.
A palavra "patriarcado" traduz-se literalmente como a autoridade do homem representada pela figura do pai. O termo foi utilizado por muito tempo para descrever um tipo de "família dominada por homens".
As antigas leis de morgadio, nas quais os domínios senhoriais eram inalienáveis, indivisíveis e insusceptíveis de partilha por morte do seu titular, a sucessão do patrimônio se dava pela transmissão de todos os bens patrimoniais, nas mesmas condições, ao descendente varão primogénito. Às filhas, cabia exclusivamente casar-se e portar-se bem.
Hoje, o nosso congresso ameaça punir parlamentares que se opõem ao Marco Temporal. Quem são? Mulheres. Por que as punir? Porque são mulheres que combatem a pretensão etnocêntrica de que o país nasceu em 1988, e foi parido por homens. Brancos.
Na antiga província fluminense, mulheres não tinham patrimônio. Seus bens tornavam-se dotes, entregues aos maridos, que, com estes, faziam o que bem entendiam. Mulheres não eram donas de nada, nem mesmo de suas vidas. Ocorre-me a história de Maria Francisca das Dores Pimentel Esteves, cujo dote, a Fazenda Santo Antônio do Paiol, em Valença, foi entregue ao seu marido, o Comendador Manuel Esteves, o que o ajudou sobremaneira em sua ascensão social.
Depois de viúva, Maria Francisca cometeu um "deslize", dando à luz um filho bastardo. Foi expropriada de todos os seus bens, assim como apagada das memórias de sua família. Seus filhos homens encarregaram-se de dividir os bens de sua herança, alijando dela, inclusive, suas irmãs. Será que isso ficou no passado?
Para mencionar apenas dois casos, por sinal emblemáticos, que marcaram o início do ciclo do Turismo no Vale do Café: Evelyn e Ana Heloísa.
Duas mulheres herdeiras, junto com seus respectivos irmãos, de dois dos mais relevantes patrimônios históricos do Vale do Café. Fazendas que inauguraram a abertura e visitação turística no Vale, ambas em Barra do Piraí. Infelizmente a morte precoce das duas no início dos anos 2000 impediu que suas realizações vanguardistas ganhassem o devido reconhecimento público e o merecido lugar de destaque na cena cultural e turística que vem aquecendo a economia, a revitalização do patrimônio e a sua interpretação cultural e turística no Vale do Café.
Criadoras dos primeiros eventos de entretenimento cultural e turístico de nossa região, pesquisando e interpretando a história de suas fazendas, trazendo à luz os Inovadores "Saraus Históricos", foram pioneiras, competentes e, por isso mesmo, terrivelmente antagonizadas e invejadas por seus medíocres irmãos. Através de tramoias jurídicas, lograram usurpar tudo o que puderam de suas irmãs e seus descendentes. E fizeram o que? Conquistaram os bens, mas jamais conquistariam a história. Perderam os patrimônios. Foram punidos? Não. Safaram-se.
Porque eram homens. Outras mulheres, igualmente valorosas, sofrem hoje nas mãos de tios, primos, irmãos e tutores, que lhes esbulham os direitos.