Por Hélio de Carvalho.
Quem faz uso regular dos trens que saem da movimentada estação Central do Brasil, nos últimos anos, não tem como negar a visível modernização que este tão popular e indispensável transporte de passageiros vem passando. No início desta década, ainda eram muitos os vagões escuros, sem ar condicionado e com janelas minúsculas por onde, pasme, muita gente entrava por elas na hora do rush, antes das portas se abrirem, para garantir um disputado lugar nos assentos. Sem contar o alto número de problemas que estes já ultrapassados veículos apresentavam – foram quatro décadas de abandono –, enguiçando com frequência e deixando muita gente revoltada. Mas, isto é passado!
Uma equipe do ED, que tem sua base na Região Serrana do estado, fez uma viagem de trem de Japeri à Central do Brasil; e de Metrô, da Central à Barra da Tijuca, neste que é um dos meses mais movimentados do ano, dezembro, com o fim de comparar a qualidade destes transportes e o de observar o comportamento de seus usuários. A equipe também utilizou a Linha 2 do Metrô, até a estação Pavuna, trecho que muito se assemelha aos da SuperVia, pelo seu longo percurso feito na superfície. Um dia inteiro de viagens para poder avaliar e escrever a respeito, exclusivamente aos leitores do Em Destaque.
Segundo a Assessoria de Imprensa, a SuperVia vem investindo, desde 2011 quando a Odebrecht TransPort assumiu sua gestão, R$ 2,4 bilhões no transporte ferroviário – sendo metade pela concessionária e a outra parte, pelo Estado. E realmente está infinitamente melhor. Contrário de antes, hoje, não seria nenhum exagero comparar os “trens da Central” com o Metrô carioca, não fosse a invasão de vendedores ambulantes vistos a qualquer dia e hora nos trens – no Metrô, em menor número. Outro lamentável fator é o vandalismo... A concessionária soma um prejuízo anual causado por tal prática criminosa (Art. 163 - Código Penal Brasileiro) na ordem de R$ 10 milhões. Destes, R$ 6 milhões são gastos apenas com a substituição de cabos furtados. Com tanto investimento e significativas melhorias, por que os trens sofrem tantos “ataques” e estão sempre cheios de ambulantes que roubam a paz dos usuários?
Próximo à estação Olinda, município de Nilópolis, nossa equipe perguntou à passageira, Judite Alves, de 62 anos de idade (moradora de Queimados, que viajava acompanhada de sua neta, Nathália, de 11), se ela usava habitualmente o trem e o que ela achava deste meio de transporte. Usuária das antigas, Judite fez muitos elogios aos avanços, mas disse que o tumulto provocado pelos ambulantes a incomodava: “eu fico até nervosa com essa gritaria no ouvido da gente. Outro dia eu quase passei mal com dois rapazes [vendedores ambulantes] que discutiram e quase se agrediram bem na minha frente. A gente não tem sossego”. Dona Judite falou com a nossa equipe, logo após ter comprado biscoito de polvilho e um refrigerante para a sua neta.
Nathália, com fone nos ouvidos, disse que a primeira coisa que ela faz ao entrar no vagão é ligar a música de seu smartphone para não escutar o barulho causado pelos vendedores. Para nossa surpresa, o fone que ela estava usando havia sido comprado, por sua mãe, de um ambulante no trem, no fim de novembro.
A venda de produtos nas dependências das estações e nos trens sem autorização da administração do sistema é irregular, conforme Regulamento dos Transportes Ferroviários (Decreto Nº 1.832/96, Art. 40): “É vedada a negociação ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e instalações, exceto àqueles devidamente autorizados pela Administração Ferroviária”.
E aí entra a “máxima”: só há quem venda, se houver quem compre.
Diariamente, cerca de 700 mil pessoas são transportadas por trens, em um percurso de 270 quilômetros, em oito ramais, atravessando a cidade do Rio de Janeiro e mais 11 municípios da Região Metropolitana. Os trens em que embarcamos eram novíssimos – mais modernos até do que o do Metrô, linha 2, que nos levou à Pavuna. O curioso foi notar que alguns dos passageiros do trem, que desembarcaram na Central, adotaram um comportamento bem diferente ao embarcaram no Metrô... Não é difícil ver que o usuário de trem, que joga lixo no piso dos vagões e nas plataformas – todos equipados com lixeirinhas –, e até acende cigarro enquanto espera a sua composição, é o mesmo que não adota tais práticas no Metrô de superfície, por exemplo. Por quê?
Segundo o Psicólogo Clínico, Dr. Juliano Mello, essa questão faz parte de um tema específico da Psicologia, que é o problema da adoção de comportamentos pró-ambientais: “Muitas vezes o indivíduo tenta atuar de maneira individualista e não pensa no bem comum. Mas, isto também depende de lugar para lugar, pois alguns fatores podem inibir sua atitude, como a observação de outras pessoas, despertando nele a sensação de estar sendo vigiado. Todavia, sabemos ser possível mudar o comportamento do indivíduo, porém implicando mudanças de curto prazo, como, por exemplo, fazer com que ele jogue o lixo na lixeira. Isto é fácil, mas, passados três ou seis meses, seu comportamento volta a ser o que era antes, não dura muito tempo. Daí a importância de se buscar técnicas de estímulo constante ao indivíduo, que renove sempre a sua capacidade de pensar no coletivo, agir adequadamente em ambientes públicos. Campanhas ininterruptas de conscientização são muito eficientes”, afirmou.
Com relação à responsabilidade de se coibir o comércio irregular nos trens, durante um bom tempo houve um “jogo de empurra” para definir se seria atribuição dos Agentes de Segurança da concessionária, da Guarda Municipal ou da Polícia Militar. No fim de agosto de 2017 foi assinada uma Resolução Estadual autorizando aos Agentes de Segurança, que até então só podiam retirar os ambulantes do vagão, em caso de flagrante. Mas, a pergunta que não quer calar é: como dar conta disto?
Na estação Maracanã, flagramos dois agentes de segurança da SuperVia pedindo, com muita educação e respeito, que um ambulante que gritava quase no ouvido deles apresentando o seu produto, evitasse a comercialização naquele vagão. A reação do ambulante, agindo como se o trem fosse dele, foi rude e ameaçadora – um gesto claro de desrespeito e afronta contra trabalhadores que buscavam cumprir ali seus ofícios, com legitimidade.
A quantidade de pessoas comercializando produtos nos vagões, desde alimentos, bebidas, utilidades domésticas e eletrônicos, é absurda! Não é preciso ser especialista no assunto para concluir que ações isoladas de funcionários de segurança da concessionária podem terminar em tragédia, pondo em risco a integridade física destes e até dos próprios passageiros.
A equipe do ED também conversou com um agente, que não identificaremos, que disse ser comum receber ameaças de ambulantes, que estão sempre em maior número e “se protegem como um bando”.
2019 Tem tudo para ser um ano de mudanças. Mudanças de atitude! Com a chegada de um novo governo, que pautou a questão da segurança pública com tanta veemência, em sua campanha eleitoral, o ED renova a sua esperança e deixa aqui o alerta para que a segurança e a tranquilidade dos passageiros e funcionários da concessionária de trens sejam vistas e tratadas de forma diferenciada pelas autoridades de Segurança do Estado do Rio de Janeiro; e espera que a população crie novos hábitos de convivência e um comportamento solidário e responsável na utilização desse bem tão importante no cotidiano de milhares de pessoas, que é o transporte público sobre trilhos.